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A JORNADA DE EURICLÉIA:
ELE PODE ESTAR VIVO SIM

Salvador Rocha Garcia Junior (Juninho), desapareceu no dia 17 de novembro de 2014 indo para o bairro Santa Efigênia

Por Beatriz Monteiro

Euricléia Vasconselos, irmã de Salvador Júnior               

Fonte: Acervo pessoal

       “Se ninguém chegou pra me falar que ele está morto e comprovou isso e me provou isso, então ele pode estar vivo sim.” Essas são as palavras de esperança de Euricléia, irmã mais velha de Salvador Júnior, ou como ela gosta de chamá-lo, Juninho.

        Dos 4  irmãos, Cléia era mais próxima de Juninho. A intimidade cresceu depois que a mãe faleceu quando tinha 12 anos de idade, Salvador tinha apenas 6 anos. Para sustentar a família, o pai e os outros irmãos de Euricléia tiveram que trabalhar fora e ela ficava em casa cuidando de Juninho. Entre os trabalhos da casa, eles dançavam e cozinhavam juntos, e ela tomava conta do irmão.

         A família morava no Mato Grosso do Sul, em Três Lagoas. Com 14 anos, Juninho veio para São Paulo ajudar uma tia na Zona Norte e Cléia ficou na cidade natal para concluir a graduação em história. Depois de formada com 23 anos, Euricléia veio para São Paulo, se casou e teve duas filhas, sobrinhas muito amadas pelo tio Juninho. Nós éramos grudadinhos.” conta Euricléia ao se lembrar das visitas do irmão que trazia frutas e coisas gostosas para as sobrinhas comerem.

         Em 2003, Cléia se separou e dividiu o aluguel de um apartamento com Salvador. “Aí ficamos mais próximos ainda”, conta Euricléia. Juninho se aproximou muito das sobrinhas, as mimava com comidas gostosas que preparava, as levava ao Shopping para passear e sempre foi muito carinhoso com a irmã e a família. Depois de três anos, em 2006, Cléia se casou novamente com o ex-marido e passou a morar com ele, o que, segundo ela, deixou Juninho mais livre. “Aí ele foi pra Irlanda e ficou quatro anos morando lá.”

    Viajando para o exterior, Salvador conheceu uma brasileira que, mais tarde, se tornou a mãe de seu filho. “O sonho dele era ser pai.” Sua companheira veio ao Brasil para ter o bebê e Salvador veio logo depois, no início de 2011.

       Além de Frederico, a família havia ganhado mais um membro. Euricléia engravidou da terceira filha, Janaína, que nasceu quando Cléia tinha 42 anos.

Salvador Júnior e seu filho Frederico

Fonte: Acervo pessoal

       Depois de um tempo, as dificuldades começaram a bater na porta de Juninho, que se separou da companheira quando Fred ainda era pequeno. Além disso, ele se deparou com algumas questões familiares que teria que resolver no Mato Grosso do Sul, como a oficina do pai e alguns pertences da família. “O inventário e essas coisas acabaram levando o dinheiro dele e ele ficou meio desorientado”, conta a irmã.

       Depois de passar um tempo na cidade natal, Juninho voltou para São Paulo em 2013 para ajudar a cuidar de Euricléia. “Eu fui diagnosticada com Câncer de Mama e o Júnior veio para ficar comigo.” Formado em gastronomia, Salvador cozinhava para a irmã que tinha dificuldades de comer por conta da quimioterapia. “O dia que eu saí pra ficar careca, quando eu cheguei em casa ele já estava careca. Ele pegou a maquininha e ficou careca.” relata Cléia emocionada.

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Ele já estava careca - Euricléia, irmã de Juninho
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       Durante este período, Júnior começou a agir diferente, “ele começou a fazer algumas caminhadas e não retornava de dois a três dias.” A irmã mais velha providenciou um psicólogo na região do Jabaquara para que Juninho fizesse um tratamento. “A gente via sinais claros de depressão no Júnior”, recorda.

       Juninho passou a morar no antigo apartamento do marido de Cléia durante o tratamento psicológico. Quando ele ficava dias sem dar notícias, a irmã pedia ao marido para que o buscasse e o levasse a terapia. “Sabendo que tinham ido lá para buscá-lo, ele se sentiu querido, sentiu que estavam cuidando dele.” 

     Em janeiro de 2014, chega a notícia de que o irmão mais velho de Euricléia estava com câncer. Para ela, a doença do irmão mais velho pode ter afetado ainda mais o psicológico de Juninho. “Tudo isso lhe deu uma desnorteada. Fez ele perder o rumo.” Salvador foi para Campo Grande, no Mato Grosso cuidar do irmão, Cléia diz que ele sempre largava tudo para cuidar de todos quando era necessário.

      Quando voltou de Campo Grande, disse que queria "dar a volta por cima na vida". Decidiu prestar o ENEM para fazer um novo curso. Junto com Euricléia, decidiu que faria um curso de cuidador de idosos. “Daria certo porque ele era formado em Gastronomia e cursou parte de psicologia, então daria uma ótima assistência aos idosos que precisavam de cuidado.” conta Euricléia.

       Na semana que decidiu fazer o curso, Juninho foi até Santa Efigênia levar o computador para consertar, mas ele não voltou pra casa. Como era época dos feriados em Novembro, Cléia foi viajar para Santos, mas sempre ligava para as filhas perguntando se havia notícias do tio Juninho.

Salvador trabalhando como cozinheiro

Fonte: Acervo pessoal

       Quando se passaram dez dias, Cléia percebeu que a situação era séria e começou a fazer ligações para conseguir informações. Até que conseguiu fazer o boletim eletrônico pelo site da Delegacia.

          Após fazer o Boletim, ela começou a pesquisar sobre os colegas de trabalho de Juninho, os locais em que ele costumava frequentar. “Comecei a fazer vários cartazes e levar para esses lugares: Parque Dom Pedro, Liberdade, República, Largo do Arouche, Paysandu, Sé, Trianon e o Hospital Jabaquara.” diz lendo a lista que detalha cada passo que deu desde o desaparecimento de Juninho.

      Euricléia começou a procurar o irmão pelas ruas do bairro de Santa Efigênia. Ela olhava para a grande quantidade de lojas e pensava ser necessário uma força tarefa para conseguir encontrar Juninho, ela sozinha não seria suficiente. Ouça o relato:

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Tudo é muito grande - Euricléia, irmã de Juninho
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        A busca pelas ruas estava só começando. Cléia também foi muitas vezes procurar o irmão na região da Cracolândia. “uma amiga trabalhava no centro de saúde na Cracolândia.  E aí eu combinei com ela de um dia, que ela estivesse de jaleco para entrar na cracolândia, eu iria com ela.” No início, Euricléia tinha muito medo, mas depois foi várias vezes sozinha. “Foi um choque de realidade ter contato com essas pessoas, essas situações.” relata.

       Depois de 15 dias procurando pelo irmão, alguém indicou a ONG Mães da Sé para a Euricléia. “Então eu fui pro Google e digitei: telefone da Mães da Sé”. Após o telefonema, ela mandou todos os dados do Juninho e fez o cadastro. Foi até a sede da ONG, na época na Rua São Bento, e conheceu a Ivanise Espiridião que lhe passou mais informações sobre como agir no caso de seu irmão. Ela também falava com outras mães na organização sobre Juninho "Elas diziam 'você fala dele como se fosse seu filho'."

      Mesmo com o apoio da ONG, Euricléia continuou divulgando a foto de Júnior por onde tinha a oportunidade, “no metrô, quando conheço alguém já entrego uma foto, e falo do Juninho, dessa importância que ele tem pra nós”

Cartaz de desaparecimento de Salvador

Fonte: Acervo pessoal

       Um dia, enquanto distribuía cartazes, ouviu alguém lhe dizer que Juninho estava em um terreno antigo da Petrobrás usando Crack. Já estava para anoitecer, mas mesmo assim ela foi até o local. “Eu entrei nesse terreno. Havia um muro quebrado e o terreno era enorme que vai daqui (região Sacomã) até São Caetano. Tinha muita gente no caminho, muito mato e eu fui conversando e perguntando” . Cléia conta que essa foi uma das situações mais assustadoras que viveu enquanto procurava pelo irmão.

       Mesmo buscando e divulgando ao máximo, Euricléia não pôde se dedicar totalmente à procura de Salvador “eu tinha meu tratamento do câncer e tinha a Jana (filha caçula) pequena, então eu tive que dividir. Uma temporada eu procuro o Junior, outra temporada dou atenção para minha filha e outra temporada o tratamento.” Como a imunidade de Cléia ficava baixa por conta dos remédios, ela não podia procurar o irmão na região da Cracolândia nesse período. Apesar de confessar que já quebrou essa regra algumas vezes para tentar encontrá-lo.

       O irmão mais velho de Euricléia, que também lutava contra um câncer, acabou falecendo em Abril de 2015. Ela tentava esconder o desaparecimento de Juninho para não deixar o irmão doente mais triste, depois descobriu que outros membros da família acabaram contando para ele antes de falecer. “Foi um período bem pancada, porque eu tinha um irmão desaparecido, outro irmão que tinha falecido e o meu tratamento”, comenta.

      Outro momento difícil, foram os fortes períodos de chuvas em São Paulo. Devido à situação em que se encontrava, Euricléia passou a tomar remédios para dormir, mas, por medo de acabar viciada no medicamento, ela não tomava acreditando que pegaria no sono mesmo assim. Durante essas noites em claro, Cléia olhava pela janela se perguntando como estaria Juninho.

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Como será que você está? - Euricléia, irmã de Juninho
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       Além de tudo isso, Euricléia recebeu uma lista com mais de 30 locais (dentro e fora de São Paulo) como delegacias, pronto socorros e IMLs para visitar e verificar se seu irmão estava lá. “Visitar todos esses locais demanda tempo e dinheiro.” Ela não conseguiu ir a todos os lugares na lista, alguns apenas telefonou. Também não teve forças para entrar nos IMLs sozinha, esperava no carro com a filha enquanto o marido entrava para fazer o reconhecimento de corpo. “A Jana ficava no carro comigo e falava ‘mãe, tomara que o pai encontre o tio Juninho dessa vez, né?’ e eu dizia ‘não minha filha, tomara que ele não esteja aí” recorda.

     Para Euricléia, deveria haver um banco de dados compartilhado por todos esses órgãos para facilitar o processo de busca, não só dos familiares, mas também das próprias autoridades. A Defensora Pública, Cecília Nascimento, também defende a criação de um banco de dados Nacional, “a criação do cadastro nacional é o início. Não vai resolver todos os problemas porque é um problema de integração entre as polícias, IMLs, hospitais, sistemas de assistência social, enfim de toda uma rede. Mas o cadastro é um início porque ele possibilita que haja comunicação com outros dados, e isso com certeza é um avanço.”

Saiba como é feita a busca por desaparecidos na capital paulista.

       Passando por essas dificuldades, Euricléia encontrava força e apoio das filhas e dos alunos de história. Em 2015, ela voltou a trabalhar como professora para crianças e adultos. Cléia sempre quis montar uma força tarefa para encontrar Juninho, mas não tinha condições para isso, mesmo assim, recebeu muito apoio de seus alunos que perguntam sobre ele até hoje.  “Os adultos, como trabalhavam, levavam muitos cartazes do Juninho para distribuir.”

       Euricléia continua a procurar o irmão e segue firme na esperança de que ele esteja vivo e que possa voltar para casa. “A gente escuta tantos casos, que volta depois de tantos anos. A pessoa volta, a pessoa reaparece. Então, esta é minha esperança: que ele volte.”

ESTA É MINHA ESPERANÇA: QUE ELE VOLTE"

Euricléia Vasconcelos, irmã de Juninho

Se você tem informações sobre o Juninho, ligue para os números:

Delegacia de desaparecidos: (11) 3311-3547/ (11) 3311-3548 / (11)3311-3983
Divisão de Localização Familiar e Desaparecidos: (11) 2833-4344/ (11) 97549-9770 (WhatsApp)
ONG Mães da Sé - (11) 3337 3331/ (11) 99826 3991 (WhatsApp)

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